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segunda-feira, 4 de julho de 2011

Jornalismo Descritivo: É preciso enxergar além do que os olhos podem ver....

 O horário do lanche da tarde é as 15h15minh, porém as 15h05min alguns já se movimentam para o refeitório. Duas atendentes e professores levam os pequenos para a refeição. Recebem a sopinha ou mingau na boca. Somente um menino fica livre, sozinho, faz bagunça, come o que consegue do bolo que esparramou pela mesa.
 O refeitório é uma sala grande. Com três mesas de oito lugares e uma mesa pequenina para acomodar os menores.
 Um pedaço de bolo e uma xícara. É assim que está distribuído pelas mesas o lanche das crianças, quem quiser mais terá que pedir. E eles pedem, ou melhor, roubam dos outros lugares que estão vazios. Como no caso do menino que pega um pedaço de bolo da outra mesa, as atendentes gritam: “é o terceiro!”, mas ele não liga, coloca todo o bolo na boca.
 Uma garota gosta de ficar perto da janela. Dizem que ali é o lugar dela. Fica deitada. O sol bate exatamente no lugar onde ela está. Ela parece gostar.
 Agora é 15h15min, horário marcado pelo sinal que bate. Os maiores chegam ao refeitório. Sinto-me ansiosa. Chamo a atenção. Sabem que eu sou de fora. Naquele momento, para a maioria deles, eu era a "intrusa", estava roubando o espaço deles. Queriam saber... ”O que eu fazia ali?”
 Minutos depois me esquecem. Não comem de imediato, preferem conversar.  Olham para a pequena xícara e reclamam que não tem leite. A cozinheira faz cara de reprovação e diz que eles têm que agradecer pelo que tem: “Pai Nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome...”. Menos de 1min terminam e atacam no bolo e no chá. Uns comem rápido, outros devagar. Dois alunos pedem se sobrou algo do almoço, porque estavam com fome. Não tinham almoçado em casa.
 Um aluno fica isolado canto da sala. O calor de 28 graus do refeitório não o faz tirar a blusa preta. Ele observa o ambiente como se não fosse dali. Parece viajar na sua imaginação. Volta para a realidade quando a atendente insiste para que ele vá para a mesa, lanchar junto com o restante da turma.
 Escuto um choro, procuro ao redor da sala. É uma garotinha, aparenta ter uns cinco anos. Chora, chora, mas ninguém dá muita atenção, pois sabem o que ela quer. Não escorre lágrimas. Alguns gritam que é manha. Parece que as lágrimas de crocodilo foram suficiente, pois a tiram do refeitório. A professora a levou de volta pra sala. E lá ficaram.
 O maior menino da turma, aparentemente o mais velho também, é o que mais gosta de chamar a atenção. Sai do refeitório reclamando, não consigo entender o que é... Mas é algo relacionado ao calor da sala, que está com um cheiro ruim.
 As crianças recebem tudo na mão, a exigência é que fiquem sentados. Uns terminam de comer e pedem água. Recebem em seu lugar. Um garoto chama: “Tia, tia... bolo.” Ela diz que ele já comeu demais.
 A atenção novamente se volta para a "intrusa", eu. Pedem o meu nome. Digo que já sabem, que estão esquecidos. Precisam lembrar. Um menino sai dizendo que vai descobrir meu nome. Volta gritando: “Jessica, Jessica!” Com essa descoberta fazem a festa. Dão risadas até que um menino cai da cadeira, motivo para mais risos. Um garoto aproveita que todos estão entretidos com aquele que caiu e vem perto de mim. Beija a minha mão, a atendente pede para ele sentar... Obedece.
 Aquela garota ainda deitada começa a bater em sua cabeça. Puxa os cabelos e tenta se beliscar. A atendente diz que fulana está se agredindo. Rapidamente um aluno levanta de seu lugar e vai ajudar. Oferece seu braço para que ela descarregue a força. Quando ela se acalma ele retira a sapatilha dela e faz carinho na sua mão. Ela novamente parece estar gostando.
 O cheiro do calor fixa na sala. A sensação é de canseira. O silêncio toma conta do refeitório. Conseguimos ouvir o choro de uma criança que deve estar pelos corredores da escola. Dois alunos quebram o silêncio, pois estão impacientes. Querem sair para ver o tumulto lá fora. É dia de médico, o doutor que vem uma vez por mês está na escola.  Todos querem ver o médico e os pacientes que aguardam na fila para serem atendidos.
 Os alunos não ficam quietos, as atendentes os assustam, dizem que o motivo de eu estar ali é para ver quem faz bagunça e passar para a diretora. Outra vez ficam preocupados comigo. O silêncio é feito novamente.
 O ventilador de teto é ligado. Os alunos se animam. Agora todos comeram. Aqueles que conseguem levam seu prato e xícara até a porta da cozinha.
 Chamar a atenção. É disso que os alunos gostam, pelo menos a maioria. Uns gritam pela janela, outros brincam entre si. Outros discutem sobre futebol, a maioria deles torce pro Santos. A atendente interage. O assunto gera discussão.  Mas logo se acalmam quando a professora diz para se ajeitarem pra sair. Ela pede para que saiam devagar, pois o corredor está cheio de gente.
 Uns ajudam aos outros. Todas as cadeiras de rodas ficam em um canto da sala, os maiores pegam na mão dos menores. Porém há os apressados que já saíram. Os mais calmos ficam pra trás. Ficou um garoto na cadeira, logo pensei que tinham esquecido. Mas a atendente volta pra buscá-lo. Ele chora, chora, as lágrimas escorrem, não quer sair. Agora entendo porque o deixaram por último. Porque o pequeno menino de no máximo quatro anos dá trabalho. Não quer ficar na cadeira de rodas. Faz sons que não consigo decifrar... Mas em seu olhar percebo que ele quer ficar ali, livre. A cadeira é para ele como uma forma de prender seus movimentos impulsivos.
 Enfim o vento circula na sala. Ficou frio. O silencio agora é mais forte do que antes, fora eu não há respiração, somente migalhas de bolo no chão, cadeiras esparramadas e uma xícara esquecida sobre a mesa. Não sobrou ninguém. O refeitório que antes parecia pequeno para acomodar tantas crianças, cadeiras, colchão, atendentes, professores e uma "intrusa", agora ficou grande demais. Somente eu e a lembrança. Lembrança de uma tarde em que percebi que diferentes são os outros, eles são normais.

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